domingo, 28 de junho de 2009

Como perder a alma.


Acho que começou no dia em que encontrei perdido um carrinho de brinquedo tão lindo, daqueles que não podia ser meu, pois era dos caros, foi achado, eu não sabia quem era o dono, passei a noite acordado velando por ele, mas tive que devolver a ninguém, não era meu.
Quando adotamos a Lua, uma vira lata branca e meiga que me completou o peito de alegria por duas semanas até fugir ou ser por alguém levada (eu nunca soube), mas sem saber, começava a descofiar ali que a alma se perde no efêmero das coisas belas que se vão, foi aos sete anos onde eu nem sabia que haviam almas.
Mas minha avó Anna, depois me contou que era assim mesmo, e aquela poesia ajoelhada aos pés da cama me guarnecia com anjos, que na verdade eram outras almas que supostamente cuidavam de mim, e hoje sei que ela se tornou uma delas, bem como levou outra parte da minha junto.
Certa vez me contaram que a tal alma ficaria grudada na gente pelo pescoço, atraz da cabeça, e que ali, pendurada daquela forma estranha e incômoda, se guardava tudo de bom e tudo de ruim, e assim, mesmo sem muita certeza disso (sempre tive uma tendência a duvidar das coisas), passei a senti-la pesada, descobri que dela também se deriva a culpa.
Uma outra pessoa, que hoje também é um desses anjos, veio um dia me contar mil mistérios, magias e vidas passadas, e ali então aquela história pode fazer algum sentido, mas na única vez que alma se fez concreta percebi que brincar com ela era perigoso, e causava dor.
Resolvi ali pelos desessete anos desistir de alma, e a guardei junto com os antigos amigos imaginários, e ao preço da inoçência, junto com os conselhos dos que te são sinceros e ao mesmo tempo indiferentes pelo que eternamente tem que ser reaprendido ao custo da própria crueldade, perde-se outra parte de alma guardada.
Outro naco se perde (sim ela pode ser muito fracionada), toda vez que se celebra uma estupidez, que se valora o medíocre, mas também suspeito que pode ser em parte remendada com pedaços deixados nas boas poesias ou em um sincero bem querer.
Conclui que perder alma depois da inocência raramente dói, pois costuma provir de algo fulgaz, que só vai machucar quando se der conta do que não se fez, não se disse no tempo que passou ou no que não se deixou amar.
Ali, onde a desculpa mais importante se torna sem razão, é que se perde a alma.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Uma estranha de mim...


Começou assim,
do nada que era foi sorriso
de pequena atenção foi lampejo
da ausência completa se fez um olhar
do pequeno vislumbre tornou alegria
no peito aberto guardou bem querer
pernas bambas sustentaram um abraço
e uma flor em riste parou o tempo.

Transformou-se assim,
do que era riso fez plenitude
da minguada centelha foi calor
de um espelho verteu alma
da ventura me trouxe paz
no teu desvelo me fez pessoa
no teu cheiro pude dormir
tornou teu sangue meu próprio pulsar.

Afastou-se assim,
da indolência transbordou desengano
do que era lástima fez distância
do meu caminho tomou dianteira
no descuido adentrou deserto
com andar apressado vi você se afastar
te fez desterro de mim
minha ausência tornou-se a sua.

Acabou assim,
do que foi verdade virou fábula
do completo se fez um vazio
de parte de mim curvou um estranho
das mãos dadas restou o frio
desespero no último abraço
meus pulmões respiraram ausência
a paz, nublada, se pôs a dormir.