quinta-feira, 19 de novembro de 2009

O Estado Neo-Hobbesiano


Thomas Hobbes (1588-1679), filósofo inglês, em sua obra “O Leviatã” dizia que, em seu estado natural, o homem é o predador de si mesmo: hominis lupus hominis. Sob uma égide darwinista (Hobbes é antecessor a Darwin), se faria o império da lei do mais forte, sendo que para viver em sociedade o homem deve fazer parte de um “contrato social”. Nessa condição, cede parcela de seus direitos, como o direito de punir (ius puniendi) ao Estado, que detém o monopólio institucional da justiça, mas recebe, em contrapartida, a segurança pública e a garantia de seus direitos. Desta forma Hobbes procura definir o Estado organizado como um paradigma, como o Leviatã, autoridade inquestionável que imporia a ordem e a justiça para o homem social.

Atualmente, vivemos em um Estado Democrático de Direito, que separa (ou deveria) a rés pública da propriedade privada e possui uma organização tripartite dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), além de, por meio de uma democracia indireta, tem-se os representantes populares eleitos e instituídos em prol dos mais diversos interesses.

Observa-se, porém, que a teoria democrática em voga apresenta-se por demais ingênua ou demagoga, uma vez que o contrato social nunca pode anular a confluência antropofágica de interesses privados na organização pública. Diversos são os mecanismo de controle de massas a fim de garantir a perpetuação do establishment em voga. Partindo de políticas populistas e assistencialistas até a manipulação de mídia, as camadas sociais acabam sempre direcionadas em prol de um interesse privado.

A idéia do “Estado Neo-Hobbesiano”, entretanto, é que, mesmo não vivendo mais em seu estado natural e selvagem, o homem socialmente organizado perpetuaria sua essência natural, aquém de um maniqueísmo. Isso porque incorpora ao seu âmago a instrução de proceder em prol de seus interesses privados em detrimento do interesse público, diluindo os sentimentos de compaixão e solidariedade para com os demais, peculiarmente, por não especificar uma vítima.

Um novo modelo para a efetividade do “contrato social” não pode ser a reestruturação do Leviatã (organização estatal, igreja, etc.), pois, dessa forma, tenta-se resolver a causa sem analisar a origem (o próprio homem). A mudança não é percebida como um marco momentâneo, pois é gradual e fruto da própria evolução social. Os esforços nesse sentido devem ser feitos pela educação generalizada, contínua reanálise de valores e respeito pelas diferenças.

(Daniel Freitas Saes, correção por Carlos Geraldo Luz de Freitas)

domingo, 12 de julho de 2009



"...há uma fatalidade contra as boas resoluções; sempre são tomadas demasiado tarde.
-As boas resoluções são tentativas inúteis de contrariar as leis científicas. Originam-se da vaidade pura. O resultado é absolutamente nulo. De quando em quando nos dão uma dessas emoções poderosas e estéreis que tem certo encanto para os fracos. É o que há de se dizer sobre elas. São simplesmente cheques emitidos pelos homens sobre um banco em que não tem fundos.
...a verdadeira explicação é a seguinte: acontece muitas vezes que as tragédias reais da vida ocorrem de maneira pouco artística e nos ferem pela sua violência rude, sua incoerência total; pela ausência absurda de significação e absoluta falta de estilo. Afetam-nos, exatamente como nos pode afetar a vulgaridade. Causam uma impressão de força bruta que nos revolta. Às vezes, porém, a tragédia dotada de elementos de beleza artística atravessa-nos a vida. Se esses elementos de beleza forem reais, o drama apela para o nosso senso de efeito dramático; de súbito, percebemos que já não somos atores e sim expectadores da tragédia. Ou melhor: somos uma e outra coisa. Contemplamo-nos, e a simples singularidade do espetáculo cativa-nos."
(Lord Henry Wotton em "O Retrato de Dorian Gray" 1891 - By Oscar Wilde)

domingo, 28 de junho de 2009

Como perder a alma.


Acho que começou no dia em que encontrei perdido um carrinho de brinquedo tão lindo, daqueles que não podia ser meu, pois era dos caros, foi achado, eu não sabia quem era o dono, passei a noite acordado velando por ele, mas tive que devolver a ninguém, não era meu.
Quando adotamos a Lua, uma vira lata branca e meiga que me completou o peito de alegria por duas semanas até fugir ou ser por alguém levada (eu nunca soube), mas sem saber, começava a descofiar ali que a alma se perde no efêmero das coisas belas que se vão, foi aos sete anos onde eu nem sabia que haviam almas.
Mas minha avó Anna, depois me contou que era assim mesmo, e aquela poesia ajoelhada aos pés da cama me guarnecia com anjos, que na verdade eram outras almas que supostamente cuidavam de mim, e hoje sei que ela se tornou uma delas, bem como levou outra parte da minha junto.
Certa vez me contaram que a tal alma ficaria grudada na gente pelo pescoço, atraz da cabeça, e que ali, pendurada daquela forma estranha e incômoda, se guardava tudo de bom e tudo de ruim, e assim, mesmo sem muita certeza disso (sempre tive uma tendência a duvidar das coisas), passei a senti-la pesada, descobri que dela também se deriva a culpa.
Uma outra pessoa, que hoje também é um desses anjos, veio um dia me contar mil mistérios, magias e vidas passadas, e ali então aquela história pode fazer algum sentido, mas na única vez que alma se fez concreta percebi que brincar com ela era perigoso, e causava dor.
Resolvi ali pelos desessete anos desistir de alma, e a guardei junto com os antigos amigos imaginários, e ao preço da inoçência, junto com os conselhos dos que te são sinceros e ao mesmo tempo indiferentes pelo que eternamente tem que ser reaprendido ao custo da própria crueldade, perde-se outra parte de alma guardada.
Outro naco se perde (sim ela pode ser muito fracionada), toda vez que se celebra uma estupidez, que se valora o medíocre, mas também suspeito que pode ser em parte remendada com pedaços deixados nas boas poesias ou em um sincero bem querer.
Conclui que perder alma depois da inocência raramente dói, pois costuma provir de algo fulgaz, que só vai machucar quando se der conta do que não se fez, não se disse no tempo que passou ou no que não se deixou amar.
Ali, onde a desculpa mais importante se torna sem razão, é que se perde a alma.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Uma estranha de mim...


Começou assim,
do nada que era foi sorriso
de pequena atenção foi lampejo
da ausência completa se fez um olhar
do pequeno vislumbre tornou alegria
no peito aberto guardou bem querer
pernas bambas sustentaram um abraço
e uma flor em riste parou o tempo.

Transformou-se assim,
do que era riso fez plenitude
da minguada centelha foi calor
de um espelho verteu alma
da ventura me trouxe paz
no teu desvelo me fez pessoa
no teu cheiro pude dormir
tornou teu sangue meu próprio pulsar.

Afastou-se assim,
da indolência transbordou desengano
do que era lástima fez distância
do meu caminho tomou dianteira
no descuido adentrou deserto
com andar apressado vi você se afastar
te fez desterro de mim
minha ausência tornou-se a sua.

Acabou assim,
do que foi verdade virou fábula
do completo se fez um vazio
de parte de mim curvou um estranho
das mãos dadas restou o frio
desespero no último abraço
meus pulmões respiraram ausência
a paz, nublada, se pôs a dormir.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Os seus e os meus

Naquela estante
os seus apenas encontram capas
letras, cores e espaço ocupado!
Os meus se perdem,
encontram amigos, tropeçam em mundos
mergulham no desejo dos que vão ler.

Naquela rua
os seus dormem o sono do cotidiano,
tudo se reduz ao impulso de um obstáculo!
Os meus lamentam tudo o que não foi,
enchergam cheiros, toques, sorrisos e lagrimas
se fecham para tentar ver.

Não importa onde
os nossos não se encontram.
No mesmo retrato as cores divergem
e na inconstância dos caminhos eles se trocam.
Os meus serão os seus
e os seus serão os meus.